sexta-feira , 26 de setembro de 2025 @ 20:26

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A DOCE FALÁCIA DA POLARIZAÇÃO

Nelson Moraes

Sob o discurso enganoso que prega uma exata simetria entre as duas frentes que pautam a atual discussão republicana brasileira, as soluções fáceis avançam.

A agenda que ultimamente vem encontrando mais acolhimento junto ao grosso da população – além do eternamente reciclado “combate à corrupção”, que tantas leituras permite e tão ineficazes aplicações proporcionou até hoje – é a da chamada “luta contra a polarização”. Abraça-se a causa com a convicção de quem acredita que o embate entre os dois “extremos ideológicos” só faz prejudicar o debate brasileiro e que a solução, óbvio, seria a do “meio termo”. E mais: essa panaceia miraculosa, fruto da constatação de que existe uma rigorosa simetria entre o rolo compressor da direita golpista (que na passagem do governo anterior para o atual mostrou a que veio – e a que virá, sempre que encontrar uma brecha) e a resistência da frente progressistaempenhada em – com amparo na Constituição – criminalizar o golpismo. Na visão dos luminares que encampam esta bandeira, “os dois lados se equivalem”. Ponto.

E quem se arvora em porta-voz desta bandeira? Pegue um ex-presidente pulverizado pelo processo histórico, um congressista com a reputação esfrangalhada e um sindicalista notoriamente pelego. Um doce (talvez superfaturado) a quem cravou Michel Temer, Aécio Neves e Paulinho da Força. O discurso? “Não compactuamos com os extremismos bolsonaristas e os desmandos petistas”. E compactuam com o quê, então? Óbvio – com uma hipotética “terceira via”, que resultará na tão sonhada (soem as serenas trombetas) “pacificação”.

Repare o leitor que raras vezes se usaram tantas aspas em um texto aspirante a dissertação sobre a conjuntura política. Pois é inevitável informar que vem mais: a “pacificação” acima mencionada seria materializada através da “dosimetria das penas” para os idealizadores do golpe de estado e aos vândalos perpetradores do atentado ao estado democrático de direito. Vale dizer – nem a aplicação “injusta” das penas estipuladas pelo Judiciário, nem a anistia ampla, geral e irrestrita. E quem teria gestado essa “dosimetria pacificadora”, tão empenhadamente abraçada por essas figuras recém-saídas de seus sarcófagos? Ninguém menos que o igualmente desmoralizado Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados. Acuado pelo pelotão bolsonarista, pela frente governista e pela opinião pública, o nobre deputado achou por bem jogar as reivindicações no liquidificador e sacar essa que, na visão dele, deve ser a solução definitiva para o imbróglio: uma média ponderada, que corporificaria a “pacificação”.

Sem aspas, agora: não há pacificação sem a aplicação rigorosa da lei. Não há justiça sem a condenação de quem atenta contra a democracia, e não há civilidade sem a observância estrita dos preceitos constitucionais. Fora isso, qualquer tentativa de serenar os ânimos das infantarias político-ideológicas, sob a camuflagem pacificadora, não passará de colocação de panos quentes no confronto para – mais uma vez, na imprevisível mas curiosamente adivinhável história republicana brasileira – deixar tudo como sempre, sempre foi.

Encerro lembrando de uma charge do cartunista/escritor/roteirista Arnaldo Branco, publicada uns anos atrás: nela, a cabeça de um popular é pisada pelo coturno de um PM, e ao lado um repórter, com um microfone, comenta: “Bom, é preciso ouvir os dois lados, né…?”

Às vezes é preciso desenhar.

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