Colocar os pingos nos is pode parecer chato ou inconveniente, mas nunca dispensável. A formidável vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro 2025 – inesperada, se considerarmos que nomes como Angelina Jolie ou Nicole Kidman contavam com um, digamos, esquema de lobby mais robusto – coroou uma carreira brilhante e trouxe a credencial do merecimento. Mas é preciso definir com clareza quem sai ganhando com este prêmio (além da própria Fernanda, óbvio).
Certos segmentos da opinião pública estão celebrando o feito como uma “vitória da democracia” ou mesmo da resistência política, tão caras à história da família dilacerada pelo sequestro e assassinato do pai durante a ditadura. Mas calma lá: cinema, antes de mais nada, é uma indústria que alimenta e se retroalimenta do apelo ao público e da resposta de todas as audiências. Um bom filme não se define apenas pela história que ele conta – é uma peça dramatúrgica que procura contribuir para o cinema elaborando com esmero (e, na medida do possível, inovando) a linguagem, a abordagem e, claro, a estrutura. A isso se soma seu impacto no público e nos formadores de opinião, que irão consagrar – ou não – a obra. Sem querer parecer cartesiano ou frio demais, é isso.
Dizer que o Globo de Ouro para Fernanda premiou a democracia brasileira é reducionista – corresponderia a afirmar que se o prêmio fosse para, digamos, Angelina Jolie (que interpretou Maria Callas), a vitória seria do background trágico da ópera. Ou se fosse para Nicole Kidman (cuja personagem em “Babygirl” vive uma saga erótica com um rapaz bem mais jovem), a vencedora teria sido a liberdade de manifestação sexual e antietarista.
Quem ganha é a sétima arte. Com sua riqueza de formas de expressão e de contribuições para o espírito de sua época e, por que não, para a indústria, que precisa se reciclar permanentemente para continuar existindo. Desnecessário dizer que a resistência política e a luta contra o totalitarismo são e serão sempre essenciais em uma sociedade livre, mas estamos falando aqui é de premiação em um certame do show business, e no que isso representa como legado.
No mais, viva nossa Fernanda. E viva o cinema.
(Por Nelson Moraes – publicitário e escritor)