O governo brasileiro, sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acionou formalmente os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), em resposta às tarifas impostas durante o governo de Donald Trump. O pedido de consultas — primeira etapa de um processo de disputa comercial na entidade — foi entregue nesta quarta-feira (6) à missão americana junto à OMC, em Genebra.
Embora o recurso tenha baixo potencial prático, já que depende da aceitação dos EUA e enfrenta um impasse na instância final de apelação da organização, paralisada desde 2019, o gesto tem valor simbólico. Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, o objetivo é marcar posição do Brasil em defesa do sistema multilateral de solução de controvérsias comerciais.
Na véspera do protocolo, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, já havia antecipado a medida. O movimento ocorre dois dias após a reunião do Conselho Estratégico da Câmara de Comércio Exterior, coordenado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin e integrado por ministros como Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia).
As tarifas adotadas pelos EUA, segundo o governo brasileiro, violam compromissos assumidos no âmbito da OMC, incluindo a cláusula da Nação Mais Favorecida e os tetos tarifários previamente consolidados pelos próprios americanos. Em documento interno, o Itamaraty alertou:
“Ao se distanciar dos compromissos multissetoriais característicos da OMC, a medida desestabiliza o equilíbrio construído ao longo de décadas de negociações multilaterais e representa sério risco à arquitetura internacional do comércio.”
Com a abertura das consultas, o Brasil solicita esclarecimentos dos EUA sobre as práticas questionadas e propõe a revisão das tarifas. Se em 60 dias não houver resolução, o país poderá avançar para a segunda etapa do processo: a instalação de um painel composto por três especialistas, que analisam a legalidade das medidas à luz dos acordos da OMC.
Essa fase, na teoria, deve ser concluída em até seis meses, prorrogáveis por mais três. Na prática, no entanto, pode levar cerca de um ano — ou até cinco, em casos mais complexos. Caso uma das partes discorde do parecer do painel, pode recorrer à terceira e última etapa: o Órgão de Apelação.
O problema é que essa instância está inoperante desde 2019, após os EUA, ainda sob Trump, se recusarem a nomear novos membros para o colegiado. Desde então, mais de 20 disputas foram “apeladas no vácuo”, sem desfecho definitivo. Isso impede a OMC de encerrar legalmente as disputas caso uma parte recorra.
Apesar das limitações, o Brasil considera fundamental reforçar sua posição em favor de um sistema internacional de comércio baseado em regras — e pressionar os EUA a retomar o funcionamento pleno da OMC.