As más línguas dizem que o que mais gera repercussão nas cerimônias do Grammy são os visuais inusitados de celebridades no tapete vermelho que antecede a cerimônia. E uma cerimônia – no caso, a do presente ano, acontecida na Crypton.com Arena, em Los Angeles, ontem – em que se destacaram, entre outros, a extravagância do vestuário (ou seja, vestuário zero) da sra. Kanye West e o capacete “Alguém-aí-reparou-em-mim?” do filho de Will Smith, uma extravagância mais escandalosa se fez presente: ninguém menos que Milton Nascimento, concorrendo na categoria “Melhor álbum vocal de Jazz” (que acabou tendo como vencedora Samara Joy), com a obra “Milton + Esperanza”, gravado em dueto com a vocalista e baixista norte-americana Esperanza Spalding, foi – atenção – barrado na entrada do evento.
Não foi confusão. Não houve equívoco. Não se tratou de desorganização. Simplesmente Bituca teve sua entrada negada – só sendo permitido mesmo o ingresso de sua parceira musical. E Spalding não deixou por menos, sentando-se indignada em sua poltrona na plateia e colocando, no assento ao lado, um cartaz com os dizeres “Essa lenda viva deveria estar sentada aqui”. E ela também verbalizou sua contrariedade em entrevista posterior: “Olha, o problema não é termos deixado de ganhar o prêmio. É do jogo. O que pega aqui é um artista da envergadura do Milton não ter tudo sua entrada permitida. É uma vergonha”.
Milton Nascimento está longe, muito longe de ser um artista desconhecido ou pouco conhecido no cenário internacional. Só para ficarmos nos EUA, o país-berço do Grammy, lendas como Pat Metheny, Wayne Shorter, Paul Simon, Herbie Hancock e o todo-poderoso Quincy Jones, além de dezenas de outros nomes de peso do showbiz, já reverenciaram enfaticamente – e publicamente – as seis décadas da esplendorosa carreira de Milton. Por que então a indústria musical (no caso, perfilada especificamente aqui na pessoa do CEO do Grammy, Harvey Mason Jr.) determinou que o ingresso de Bituca no panteão das celebridades premiáveis com o Grammy 2025 fosse vetado?
Não é de hoje, mas atualmente a indústria fonográfica americana anda caprichando em sua gana por retorno financeiro rápido e desumanização nas engrenagens de produção, abre aspas, artística. A busca por hits virais, onde o Tik Tok e o Instagram viraram referência na busca por audiência; o domínio dos algoritmos, onde, por exemplo, o Spotfy e a Apple Music é que forjam o que as pessoas “querem” ouvir e esvaziam a inovação, a diversidade e a experimentação musical, e o modelo de negócio das gravadoras, onde somente vingam as campanhas milionárias visando resultados biliardários – tudo contribui para que artistas com verve autoral e, no caso de Milton, brasileiro com uma história criativa única no panorama mundial, sejam jogados para escanteio. A atitude vergonhosa no Grammy 2025, demonstrando descaso, desconhecimento e arrogância, foi um reflexo de todo esse cenário desolador.
Milton Nascimento é um gigante, incomensuravelmente maior que tudo isso. Essa indústria vai passar, mas Bituca – assim como seus pares da música brasileira, internacional, planetária – irão permanecer. Nesse meio tempo, afinem-se os ouvidos para a melodia que realmente prevalece: a do tilintar dos dólares em caixa. Música, maestro.
Por Nelson Moraes