À parte a velha piada, cabível a quase todos os políticos, que prega que eles legislam sempre com altruísmo em favor deles próprios, aquilo que os sinais de fumaça emitidos pelo Congresso deixam perceber não escapa muito dessa premissa.
É pura constatação: o Centrão, dentro da dinâmica de clientelismo que caracteriza a interação de suas siglas (e aqui não vai nenhum protesto em si – a realpolitik é implacável, deve ser analisada sem paixão e sempre a partir da premissa de que sem conchavos a política não anda), ele deixa claro que sua serventia (que deriva do latim “servientia”, dizendo respeito à condição de servir, à função de um servo ou à utilidade de alguma coisa) é autossustentável: com o perdão da aliteração, nosso brioso Centrão só serve para servir a si próprio.
Há três discrepâncias em curso que confirmam essa observação – e sempre convergindo para 2026, considerando o calendário eleitoral e principalmente fisiológico. A primeira e mais visível discrepância é o ímpeto centrista de esvaziar a qualquer custo a já anunciada candidatura Lula à presidência: quanto mais obstáculos ao ajuste tributário de Haddad, mais o déficit público se acentua e mais fragilizada fica a imagem do atual chefe do Executivo, que dificilmente encontrará apoio popular para a reeleição. Fique claro – fugindo da facilidade maniqueísta – que essa colocação não se presta a vitimizar o governo Lula em detrimento da sanha predatória dos congressistas do Centrão: o que temos é um quadro rotineiro e até orgânico na história do relacionamento entre o Executivo e do Legislativo. O que chama a atenção é o fulminante nocaute no decreto presidencial relativo ao aumento do IOF, inédito em 30 anos de história desse relacionamento. Um cenário um tanto incoerente, se levarmos em conta que Lula 3 trouxe uma taxa média de crescimento de 3% ano, somada à redução da taxa de desemprego e aos mais de 15 milhões de brasileiros tirados da situação de fome: o Centrão deixa claro que não tem argumento contextual para alegar “ingovernabilidade”. A derrubada do decreto (assinada inclusive por partidos com ministérios no governo) foi tomada – para sermos prosaicos – porque sim. Pronto.
A segunda discrepância se dá no terreno fisiológico: falou-se em 2026, pensou-se, claro, na verba para o Fundo Eleitoral, que desta vez deverá girar em torno de inacreditáveis R$ 12 bilhões. A arrecadação proporcionada pelo aumento do IOF fortaleceria o caixa para, entre outras destinações, saciar o apetite do famigerado fundo. Entretanto os parlamentares centristas preferiram uma ostensiva demonstração de força que – na visão dos próprios – conferirá a eles o consequente poder sobre o orçamento, deixando em suas mãos a decisão a respeito do montante a ser torrado nas eleições (mesmo pressionando o teto de gastos). Mais uma vez a conta não fecha: alega-se demagogicamente preocupação com o dinheiro do contribuinte ao mesmo tempo em que se enche o bolso dos partidos para as futuras campanhas. Mas tudo bem. Estamos falamos do Centrão.
A terceira discrepância é a mais explícita, passível de rejeição por parte da opinião pública, mas que em momento algum apoquenta os parlamentares: a aprovação, por parte do Senado, do projeto de lei – que agora retorna avissareiro à Câmara – que acrescenta 18 vagas para deputados federais na casa, a partir de 2027, implicando em elevar as despesas do Congresso em aproximadamente R$ 150 milhões anuais. Mesmo não impactando diretamente as eleições, já que a alteração passará a valer somente no ano seguinte a ela, a medida mostra descompasso entre o discurso que prega contenção de gastos e o aumento desmesurado de… gastos (por parte do próprio Legislativo).
Os números não batem. As reais intenções conflitam com o que é pregado. E a desfaçatez se arreganha sem pudor. O Centrão, desapegado à lógica na equação que em teoria equlibraria as contas públicas, mostra na prática que resolveu destrambelhadamente governar o país, desprezando o artigo 2º da Constrituição, que determina a observação dos limites entre os Três Poderes.
O buraco tem fundo. Tem alçapão. E numa rima tão involuntária quanto inevitável, tem o Centrão. Se começamos mencionando uma piada velha, e perenemente atual, o que resta dizer é que os únicos que continuam se divertindo com a piada são seus protagonistas. Essa parece ser a – única – serventia deles.